sábado, 7 de janeiro de 2017

MOTIVOS MORAIS E PARTIDARISMO POLÍTICO



O FaceBook se transformou em uma ferramenta de consolidação da democracia no Brasil. Os brasileiros aderiram entusiasticamente ao FaceBook e, além da fofoca, exibição de consumo conspicuo e auto-congratulação, estão usando essa ferramenta para debate político. 

Debate que vem se acirrando nos últimos anos em função de diversos acontecimentos. O clima está quente. Freqüentemente as pessoas se xingam ou velhas amizades são desfeitas. Tudo porque diferem de orientação política e têm dificuldade para argumentar.

As agressões verbais não são uma exclusividade do Brasil. O debate político nos EUA está muito tenso também. Vide a  eleição na qual concorreram a Hillary Clinton e o Donald Trump. As posições são tão antagônicas, as reações tão viscerais, que o diálogo fica dificultado.

Qual é a origem da visceralidade no debate político? Por que o debate político é conduzido de forma tão emocional e impermeável à lógica? Jonathan Haidt (2012) articulou uma resposta elaborada, fundamentada em considerações teóricas e evidências empíricas, para explicar o partidarismo político. 

Jonathan Haidt, psicólogo social, é professor na NYU Stern School of Business. Haidt é fundador da Heterodox Academy, que congrega pesquisadores e docentes de múltiplas orientações políticas com o inuito de promover a diversidade na academia. Mantém também, entre outros, sites sobre o livro de 2012, Righteous Mind, sobre a Moral Foundations Theory, ou teoria dos motivos morais, e um site de pesquisa no qual é possível responder a algumas escalas para pesquisas sobre motivos morais e afiliação política (Your Morala).

A resposta é bem simples: Posições políticas diferentes se baseiam em intuições morais distintas. Em pesos diferentes atribuídos a valores distintos. Não se trata de uma questão lógica, mas de uma questão emocional. Ou seja, de quais emoções são preferencialmente eliciadas nos partidários de uma ou de outra corrente.

As pesquisas de Haidt se baseiam em uma corrente de pensamento denominada intuicionismo moral (Haidt, 2001), a qual remonta mais recentemente a Davide Hume. Segundo Hume, a razão é escrava das paixões. Isso significa que os juízos morais não são baseados primariamente em argumentos, mas sim nas emoções despertadas pelos comportamentos. Determinados comportamentos desencadeiram de forma automática sentimentos morais, os quais são então justificados intelectualmente a posteriori.

Haidt e cols. (1993) obtiveram evidências empíricas para o intuicionismo moral. No experimento em que realizaram apresentavam vinhetas descrevendo situações potencialmente problemáticas do ponto de vista moral. Nessas situações os personagens se envolviam em comportamentos que violavam normais sociais consagradas e emocionalmente carregadas, mas que não envolviam nenhuma violação dos direitos ou sentimentos alheios.

Nas vinhetas utilizadas por Haidt e cols., os comportamentos das personagens violavam normais morais socialmente consagradas, mas ocorriam em situações privadas e não prejudicavam a outrem. Ou seja, eram perfeitamente justificáveis do ponto de vista de uma moral utilitária. Ainda que pudessem parecer pervertidos, patológicos ou sacrílegos.

Mesmo assim, a leitura das violações morais nessas historietas desencadeava fortes sentimentos de aversão moral nos participantes. Solicitados a justificar os juízos morais condenatórios, a maioria dos participantes ficava embasbacada, sem conseguir articular um discurso coerente que justificasse a sua versão moral. Haidt (2012) interpreta esses resultados como reflexo da primazia do afeto sobre a cognição no juízo moral, de acordo com os princípios do intuicionismo moral. E em contraposição ao racionalismo moral, o qual pressupõe que os juízos morais se fundamentam na lógica, numa tradição que remonta a Immanuel Kant.

A doutrina do intuicismo moral explica, portanto, a razão pela qual o debate político é tão esquentado e impérvio à lógica. As preferências políticas se baseiam na evocação de emoções morais e não na argumentação.

O intuicionismo moral é apoiado por uma série de evidências neurocientíficas mostrando que diferentes versões de dilemas com decisões morais utilitariamente justificáveis mas emocionalmente aversivos são fortemente rejeitados pelas pessoas. De um modo geral, muitos desses juízos utilitários desencadeiam automaticamente sentimentos de rejeição moral, cujo correlato neural é a ativação da amígdala, relacionada ao medo, e da ínsula, relacionada ao nojo. Posteriormente, ocorre ativação em áreas prefrontais relacionadas com o pensamento racional.

Os padrões de resposta e ativação cerebral em situações emocionalmente carregadas de juízo moral se encaixam em modelos de duplo processo cognitivo. Inicialmente são desencadeadas reações automáticas e emocionalmente carregadas. Apenas posteriormente é que o processamento controlado entra em ação.

Mas quais são essas emoções morais que fundamentam as divisões políticas, cegam e fanatizam as pessoas? Segundo Haidt (2012) a moralidade humana é construída em cima de um conjunto limitado de parâmetros ou motivos morais, que são instanciados de formas distintas por diferentes pessoas em culturas distintas.

Os motivos morais são universais psicológicos, recorrentes nas diversas culturas. São questões relativas ao certo e ao errado que precisam ser resolvidas de modo a propiciar a convivência social. Como todos universais, essas motivações têm uma origem instintiva, emocional, constituindo uma estratégia evolutivamente estável. Mas adquirem, epigeneticamente, um colorido peculiar em cada cultura e se caracterizam por variação interindividual no seio de uma cultura determinada.

As seis motivações morais básicas foram sistematizadas por Haidt (2012) como correspondendo a CARINHO: Cuidado vs. Maleficio, QEÜIDADE: Igualdade vs. Trapaça. LIBERDADE: Ausência de coerção ou Direitos humanos vs. Opressão, AUTORIDADE vs. Subversão, LEALDDAE vs. Traição, SANTIDADE: Pureza vs. Degradação. 

Nas próximas secções vou discutir as temáticas relacionadas a cada um desses motivos e seus possíveis substratos moral-psicológicos e neuroevolutivos.As próximas secções constituirão uma colagem ou texto em contrução. Pretendo incluir  notícias, links, videos, imagens e reflexões e gradativamente editar o texto.

A discussão das bases neurais da moralidade é  necessariamente incompleta. Mais pela minha ignorância do que pela falta de pesquisa na área. Posteriormente serão descritos os resultados de Haidt sobre a distribuição destes motivos morais pelos partidarismos políticos.  

Um artigo que escrevemos foi aceito para publicação pela revista Dementia e Neuropsicologia e deve sair brevemente (Haase & Starling-Alves, 2017). 

Referências

Haase. V. G., & Starling-Alves, I. (2017). Towards the moral-psychological and neuroevolutionary basis of political partisanship. Dementia e Neuropsychologia, no prelo.


Haidt, J. (2001). The emotional dog and its rational tail: a social intuiticional approach to moral judgment. Psychological Review, 108, 814-834

Haidt, J. (2012). The righteous minds. Why good people are divided by politics and religion. New York: Pantheon.

Haidt, J. Koller, S. H., & Dias, M. G. (1993). Affect, culture, and morality, or is it wrong to eat your dog? Journal of Personality and Social Psychology, 65, 613-628.


Links adicionais

Haidt, J. (2013). Why so many American don't want social justice and don't trust scientist. Video da Conferência Boyarski na Duke University.

Haidt, J. (2016). Why universities should choose one telos: Truth or social justice. Video da Hayek Lecutre na Duke University. Primeiro post mais consultado da Heterodox Academy em 2016.

Haidt, J. (2016). Victimhood culture explains what is happening at Emory. Resenha de artigo de Cambpell e Manning (2014) sobre a sociologia da cultura de vitimização nos EUA. Segundo post mais acessado na Heterodox Academy em 2016.

Haidt, J. (2016). Why the centre can not hold in America, Europe, and psychology. Video de conferência na Reunião Anula da Sociedade de Psicologia Social e da Personalidade.  Sétimo post mais acessado na Heterodox Academy em 2016.







Nenhum comentário:

Postar um comentário